A crónica que aqui vos deixo escrevi-a em Setembro de 2003 no Jornal de Notícias. Apesar de terem passado quase quatro anos, continua actual e retrata apenas um dos muitos exemplos de desleixo do Estado para com o seu património classificado:
Há um bom par de horas que percorríamos aquela estrada, acima-abaixo, abaixo-acima, sob um calor abrasador, à procura de um monumento nacional, de origem romana, conhecido como Fonte do Milho. Tínhamos algumas referências sobre a sua localização, fruto de leituras e de conversas várias com gentes da aldeia. Junto à capela, uma placa indica o caminho que devemos tomar para chegar ao destino, mas, ao longo dos cinco quilómetros de estrada que ligam Canelas a Covelinhas, já à beira Douro, não há mais nenhuma informação.
À segunda tentativa, invadimos algumas quintas, na esperança de encontrarmos algo parecido com uma antiga fortaleza romana. Batemos em várias portas, mas ninguém respondeu. Em alguns casos, fomos recebidos por cães ferozes e batemos em retirada.
O velhinho carro do meu pai mostrava já sinais de cansaço. Não só devido às constantes subidas e descidas por aquela estrada sinuosa e íngreme, mas também devido aos caminhos de terra batida e povoados de calhaus por onde teimávamos levá-lo. Este era o segundo ano consecutivo que tentávamos chegar à Fonte do Milho e, desta vez, nem eu, nem o meu pai, nem a minha prima Bela estávamos dispostos a desistir.
Parámos junto a uma casa em construção e pedimos ajuda. Um jovem em tronco nu e de pele curtida pelo sol deu-nos mais algumas dicas sobre como chegar ao objectivo. Agradecemos e preparávamo-nos para partir, quando nos disse: "Vão apanhar uma desilusão. É só um monte de pedras".
Nem acreditámos no que ouvimos, mas nem retorquimos. Sorrimos e entrámos no carro, onde a Pantufa, esticada no banco de trás, com a língua de fora, sofria com o calor insuportável. É teimosa como a dona, aquela cadela! Prefere andar de carro, mesmo que para tal tenha que suportar no corpo os efeitos de um sol abrasador, do que ficar em casa, à fresca. Partimos.
Pouco depois, encontrámos um homem a cuidar da vinha, a quem perguntámos se sabia onde ficava a Fonte do Milho. "A citânia?". "Sim", respondi, surpresa por um simples camponês conhecer tão cara palavra. "É aquele monte de pedras além", explicou. "Outra vez o monte de pedras, disse para comigo, lamentando que as gentes da aldeia não compreendam a importância do monumento.
Finalmente, alcançámos o nosso objectivo. Estávamos na Fonte do Milho, um monte de pedras e de silvas, é verdade, fruto da incúria das autoridades, que a deixaram no mais completo abandono. Infelizmente, já não é possível vislumbrar nenhum sinal das antigas piscinas, nem dos belíssimos azulejos que cobriam as paredes. A Fonte do Milho está, de facto, transformada num autêntico monte de pedras.